quarta-feira, 28 de outubro de 2015

GURPS ÆRTH - Capitulo 8

Afastando-se o apressadamente da arcada, os Myrmidons seguiram novamente pelo corredor. Repetiram o processo anterior: andaram até terem uma boa visão frontal e da retaguarda e descansaram. Os magos estavam claramente sentindo o esforço de conjurar feitiço atrás de feitiço e agora precisavam de descanso frequente. Os combatentes, por sua vez, estavam razoavelmente bem. O braço de Hochsend ainda permanecia com aparência cadavérica, com uma cor cinza esverdeada feia - mas o aspecto morto parecia estar desaparecendo gradualmente.

Depois de mais um tempo indeterminado, prosseguiram. "Agora enfrentaremos algo provavelmente relacionado à Terra", palpitou Sodoma. O túnel serpenteava pelas profundezas; fazia curvas por todos os lados, e descia e subia, em curvas leves e fechadas, alternadamente.

Passado mais um tempo, chegaram em mais uma arcada. Mais uma sala. Era quadrada e espaçosa, porém sem pilares. Seu chão era todo feito de blocos quadrados, lajotas, cada uma com um símbolo diferente. Centenas delas. No lugar de um teto, havia uma grade de pedra com espaços que davam ao vazio infindável acima, escuro. Novamente, examinaram como podiam de onde estavam, sem entrar na sala. Novamente dotados de alta percepção, Sodoma e Damon Cook viram um padrão. Explicaram que embora toda sorte de símbolos misticos estivesse representado no chão - símbolos de advertência, runas anãs, marcas rupestres ælficas e sinais celestes - havia um padrão. Em espaços não regulares, mas não distantes entre si, o simbolo Imperial da Terra.

Intuíram que bastaria a pessoa pisar nestas lajotas para passar. Era difícil; observaram com cuidado o diminuto tamanho das pedras. Hagen se ofereceu para ir primeiro. No entanto, ia pisando em um simbolo diferente - o sinal coleóptero de "cuidado!" - quando Sodoma o alertou. Disse para pisar somente no simbolo da Terra. Hagen disse que era exatamente o que ele estava fazendo. Sodoma o corrigiu. Mas o cavaleiro permanecia dizendo o que via.

Então perceberam que estavam em problemas.

Comparando o que haviam visto uns com os outros, Sodoma adivinhou o enigma: alguma ilusão os fazia enxergar as lajotas diferentemente. Isso posto, Alexandros desenhou com a ponta de uma espada no chão como era o simbolo Imperial da Terra, e ao invés de mostrar onde pisar, disse que todos pisassem neste símbolo, conforme estivessem o enxergando. Ao que parecia, era uma rota exclusiva para cada um.
Hagen então decidiu prosseguir, mesmo inseguro. Fortaleceu-se na fé em Tyr, declamando a Litania da Coragem enquanto andava. "Não terei medo, pois o medo é um pedaço da morte. Um homem com medo morre todo dia um pouco. Sem medo, eu morro apenas uma vez. Tyr é a vida. Tyr é a coragem. Sem medo, meus olhos são abertos. O medo deve morrer. Com Tyr, renascerei". Passo a passo, lentamente, Hagen passou para o outro lado e atravessou a sala.

Meio incrédulos pelo sucesso aparente, resolveram apenas "ir logo". Sodoma avisou aos que poderiam voar para que não o fizessem, dado o ocorrido no poço. Siltari seguiu com graça, pisando em símbolos que os outros viam como sendo da morte, runas da água e das plantas. Nada aconteceu. Ela passou para junto de Hagen. Os outros seguiram, um a um. Alexandros, no entanto, desequilibrou-se no meio do caminho e pisou em falso. A lajota onde tocou tinha o símbolo Imperial do Fogo e revelou-se ser estampado em areia movediça: uma lama espessa, grossa e pegajosa. Nela, afundou até o tornozelo e ficou preso. Não conseguia tirar o pé do lugar. Após poucos segundos fazendo força, um barulho veio da grade aberta no teto acima: uma chuva de rochas, cada uma do tamanho de um punho, caia exatamente em cima dele!

Tentou proteger-se, mas não teve muito sucesso. Pedras caíram em seu ombro e perna esquerda, ferindo-o levemente. Por sorte, depois disso o caçador de demônios conseguiu desprender a bota, e, com a ajuda de feitiços dos magos, não pisou em falso mais nenhuma vez.

Porém, isso serviu de aviso aos menos ágeis, que preferiram tomar precauções. Sodoma e Damon Cook encantaram-se com feitiços de levitação, para que ficassem praticamente sem peso, e só então foram atravessar a sala. Mesmo Damon pisando em falso, o feitiço lhe deu leveza o suficiente para que não ficasse preso, e não fosse atingido pelas rochas que caíram em seguida. Sodoma quase caiu uma das vezes, também sendo salvo pela sua magia. Luparus, possuidor de grande agilidade, fingiu não entender o porquê de tamanho cuidado, passando facilmente para o outro lado, sua caminhada pelos espaços pequenos uma tarefa corriqueira para quem costumava se equilibrar em calhas sujas e telhados escorregadios.

Milagrosamente, haviam passado mais um desafio sem incidentes.

Da arcada da saída, o túnel seguia reto. Andaram por ele por mais um bom tempo, e chegaram uma divisão - o caminho separava-se em três. Uma passagem à frente, uma à esquerda e uma à direita. Seguiram pela direita, escolhendo ao acaso. O túnel descia levemente, fazia uma curva para a esquerda, esquerda de novo e terminava em uma porta fechada. Isso fez com que todos ficassem cautelosos. Hagen abriu a pesada porta de madeira, e todos deram de cara com uma escuridão total. Parecia sólida, não sabiam nada o que havia na frente, a luz não passava de alguns centímetros além da entrada.

Certamente não era uma escuridão natural, pois todas as tentativas de se enxergar algo dela foram frustadas. Ela pareceu engolir as luzes quando Hagen colocou sua tocha para dentro da passagem; as trevas tragaram o fogo e sua luz sumiu. E no entanto, a tocha continuava queimando. Sem ver para onde iriam, temeram ser presas fáceis e preferiram testar o outro caminho, ver se os outros lados eram mais seguros. Voltaram por onde vieram e pegaram o caminho da esquerda. Mas parecia inevitável: ao seguir o túnel, que também descia levemente, dobrava a direita duas vezes e também terminava numa porta fechada. E ao forçar essa porta, encontraram a mesma escuridão. Voltaram e checaram então o caminho do meio, com o mesmo resultado. Esse apenas seguia reto e para baixo por uma distância curta, e terminava em uma terceira porta que dava acesso às trevas. Parece que teriam que enfrentá-las ou voltar pelos desafios vencidos.

Sodoma teve uma ideia: pegou uma das poções alquímicas que haviam encontrado na torre do Lorde Octavius, retirou a pílula presa à tampa, jogou no líquido, ativando-a. Instantaneamente, ela eferveceu levemente e acendeu, gerando um brilho intenso, branco e frio como uma lua em miniatura. Com um feitiço de movimento, ele levitou o frasco e o fez entrar na escuridão, como se movido por uma mão invisível. Eles então notaram que o frasco iluminava fracamente o soalho, não sendo engolfado pelas trevas. Parecia um salão sem paredes e teto, apenas com chão - talvez um salão imenso, e a luz que combatia o negrume não chegava aos limites do ambiente.

Conseguindo ao menos ver onde pisavam, decidiram seguir, com o maior cuidado e atenção que podiam dispor. Os Myrmidons foram entrando entrando naquela tenebrosidade, seguindo a luz flutuante e as partes inferiores das pernas uns dos outros. Andavam lentamente, para não perderem essas únicas referências de vista. Sabiam que estavam andando reto enquanto podiam enxergar a porta às suas costas; era estranho... viam a porta de onde vieram e a luz da poção alquímica, e mais nada. Certamente essa não era uma escuridão normal.

E foi assim que foram seguindo, até que o último deles ficasse fora do alcance da porta. Quando isso aconteceu, ela se fechou, com um estrondo. A realidade pareceu torcer-se e dobrar em si, e eles foram cegados por um lampejo brilhantíssimo, um fulgor cintilante como o do sol do verão.

E depois de desorientados por alguns segundos, podiam ver.

sábado, 18 de julho de 2015

GURPS ÆRTH - Capitulo 7

Hochsend von Schultz gritou de dor por apenas um segundo. Sodoma, observando atentamente ao combate, apontou a cabeça encolhida de seu cajado para o guerreiro, e emendou o osso quebrado por mágica. O braço ferido assumiu uma coloração cadavérica, mas a dor desapareceu instantaneamente. Apesar disso, foi um giro da espada de Hagen, cortando diretamente o flanco da criatura, que impediu que o inimigo esmagasse crânio Hochsend enquanto esse gritava.

Num misto de coincidências e habilidade, um a um os inimigos foram vencidos. Sodoma lançou um feitiço de controle em uma das criaturas e a fez lutar contra os seus. Damon Cook tentou quebrar as pilastras de rocha e as de fogo, imaginando ter alguma conexão com as criaturas. Não teve sucesso nas tarefas, e nem tempo. Siltari Tauri, do alto, atualizava os companheiros sobre o que via, e como estavam dispostos os inimigos que vinham em ondas. Hagen triturava os oponentes de um lado, bradando o nome de Tyr, enquanto Mitrin Drachenlager acompanhava do outro lado, ambos criando uma música funesta do som de aço em pedra. Alexandros Mograine fez novamente de suas cimitarras gélidas e destruiu um dos inimigos com golpes rápidos e precisos - o frio de suas armas e a água de Yasmin eram MUITO eficientes contra esses inimigos. Depois de um breve combate, sobrou apenas um demônio: aquele sobre o controle mental de Sodoma.

O necromante aproximou-se da criatura e travou novamente um diálogo, naquela mesma língua estranha, ininteligível, cheia de sons fricativos. Quando se deu por satisfeito, repetiu o processo da torre - fez sinal para que Alexandros matasse a criatura que fora ordenada para permanecer parada e indefesa. O golpe com as lâminas geladas quase cortou o Dêmonio Antigo ao meio. Instantaneamente, os pilares de fogo se apagaram.

O necromante contou que a criatura dizia servir a um mestre, Primak, o demônio descrito no livro de Rosembaum, e ao ser perguntada sobre o que seu mestre queria, o ser respondera "tudo". Não desejando ficar na sala nem mais um momento do que o necessário, saíram pela arcada oposta seguindo pelo túnel sem fim. Após andarem por alguns minutos sem eventos, decidiram descansar. Pararam num trecho reto onde conseguiam ver tanto a frente quanto a retaguarda por dezenas de metros, a língua de fogo à direita iluminando o caminho. Ironicamente, fizeram uma pequena fogueira com tochas para cozinhar. Comeram e recuperaram-se. Alguns cochilaram e Alexandros até conseguiu silêncio o suficiente para meditar por alguns minutos.

Todos com mais calma, conversaram sobre o grupo - mais precisamente, sobre as rusgas do grupo. Hagen pediu desculpas à Damon Cook pelo ataque impulsivo, mas pediu que cessassem as ofensas à Tyr. Damon, ora mudo, ora debochado, disse de maneira estranha que o grupo todo era caótico. "Só Herbert me entende. Não é mesmo, Herbert? É sim. Eu disse pra eles". Combinaram de se escutar mais, porquê as únicas certezas que tinham era que teriam mais problemas até resolverem toda situação, e só podiam contar com eles mesmos. Ânimos, mentes, ferimentos e barrigas acalmadas, continuaram pelo túnel subterrâneo.

Perdendo a conta de quantas horas já se passaram, eles prosseguiam. Andaram até que o túnel começou a descer em uma espiral à esquerda. Algumas voltas e este terminou em uma nova arcada. Novamente, preparados para o combate, espiaram o máximo que conseguiram antes mesmo de pisar na sala. Esse local, no entanto, estava vazio. 

Se assemelhava com o fundo de um poço muito alto, com mais de vinte metros de altura. Um cilindro de rocha, desta vez não com aparência natural, mas feito de pedras ocres cortadas e encaixadas. O rastilho de fogo entrava na sala pela parede da direita, mas ia subindo em espiral pelo tubo. Sem janelas, havia apenas uma outra arcada fazendo às vezes de porta - lá no topo, a duas dezenas de metros do chão. O rastilho seguia por esse caminho. Nas paredes, abundavam reentrâncias e apoios para escalada. Nas concavidades da parede, símbolos espalhados. Sodoma e Damon identificaram os símbolos como um dos que representavam o elemento ar. Siltari disse que eles aparentavam o símbolo ælfico da morte.
Acharam que escalar não seria uma boa ideia. Sodoma disse que, entre as coisas que conversara com o demônio, podiam esperar desafios ligados aos elementos, o que estava bem claro agora. Água, Fogo, e agora Ar. Felizmente, os Myrmidons estão entre os solucionadores de problemas mais capazes de Ærwa: resolveram simplesmente VOAR até o topo. Damon Cook encantou Mitrin para que esse fosse capaz de volitar. Por ser forte, ele levaria Hagen e Yasmin nos braços, enquanto Siltari, Damon e Sodoma seguiriam voando.

Um a um, revoaram como pássaros... mas no exato momento em que Sodoma, que ia por último, deixou de tocar o solo, os símbolos gravados nas paredes começaram a sangrar um vendaval intenso! Claramente uma força antinatural, em um momento formou um ciclone dentro do cilindro de pedra. Literalmente, como folhas ao vento, os Myrmidons foram jogados violentamente contra as paredes e uns aos outros!

Sodoma, com um foco sobre-humano, conseguiu conjurar um feitiço de teletransporte ao meio da confusão. Em um salto no espaço, estava na arcada, no topo do poço. Vento o empurrava para baixo. No segundo salto ele aparecia num trecho do túnel, em relativa segurança, após a linha imaginária de onde o vendaval começava. O vácuo deixado pelo seu corpo era preenchido por um estouro de fumaça cinzenta com cheiro de terra do túmulo, instantaneamente dissipado pelo tornado. Infelizmente era o único que havia passado e restava assistir seus companheiros se virarem como podiam.

Mitrin, movido mais pela força de vontade do que pela força física, conseguiu vencer o tornado e chegar a arcada do topo. Deixou Hagen e Yasmin agarrados à parede lutando contra o vento e voltou para ajudar os outros. Damon Cook girava descontroladamente, sem conseguir voar numa só direção. "Heeeeeeeeeeeeeeeeerrrbbbeeeeeeeeeeeert!", gritava. Siltari, batendo nas paredes, também girando, tentou agarrar o cozinheiro para tentar alguma estabilidade para ambos. Acabou segurando à jaqueta de Damon - e num só movimento conseguiu despir o homem e ficar sem ver; o vento grudou a peça de roupa em seu rosto como uma segunda pele. Ambos giravam sem controle, chocando-se contra as paredes, solo e um com o outro.

Foram longos momentos até conseguirem recuperar o controle. Damon Cook conseguiu pousar no centro do poço, esforçando-se para gritar algo para os amigos. Com o vento fortíssimo, ouviram algo como "tentar" e "escalar". Hagen usava seus poderosos músculos para não só se firmar na parede acima, como segurava Yasmin, que perdeu a pegada algumas vezes e certamente cairia. O vento surgia do nada no túnel acima, soprando impossivelmente na direção do ciclone. Sodoma tentava alcançar uma das mãos de Hagen com seu cajado, mas era impraticável. Mitrin, descobrindo-se um melhor aeronauta do que jamais imaginou, conseguiu, com dificuldade, chegar a ælfa e ajuda-la a subir. Também agarrada a parede de pedra, conseguiu, finalmente, alguma estabilidade. Hagen mandou as ælfas darem as mãos, e começou a puxar ambas para trás. Enquanto isso, Mitrin voltou para buscar o cozinheiro, e ambos subiram voando abraçados em meio ao redemoinho. Um a um, e com a ajuda de todos, foram passando da linha imaginária no túnel acima, onde o vento antinatural começava a soprar. Assim que o último passou, ele cessou, e o turbilhão morreu.

Embora estivessem com escoriações de choques com as pedras, num estado lastimável, e a jaqueta de Damon estivesse lá embaixo em algum lugar, eles estavam de volta no túnel. De alguma forma, o rastilho de fogo seguia a parede da direita, nunca tendo se apagado nesse tempo todo.

Eles haviam passado mais um desafio.

GURPS ÆRTH - Capitulo 6

Por um breve momento, o espaço se torce ao redor de Damon Cook. Como se regurgitado por uma fera gigante, apareceu aos portões de Skyfall com um alto estrondo púrpura. Era estranho, pois ele havia tentado se transportar magicamente para a sala do trono. Convencido que o castelo tinha defesas mágicas contra seu feitiço, andou até o portão principal e exigiu falar com Lorde Carmell. Rapidamente, foi levado até a sala de conferências, onde lhe foi servido vinho e comida, enquanto acordavam o senhor no meio da noite.

Após uma breve espera, Lorde Herry Carmell entrou na sala, alerta, mas com a aparência de quem acabara de acordar. Era acompanhado de três guardas e Sir Derron Coriander, seu conselheiro, senescal e "sábio pessoal". Após mandar os guardas protegerem as entradas e os deixarem à sós os lordes sentaram-se ao lado do cozinheiro e perguntaram o que havia acontecido. Damon Cook não estava mudo nesta noite, então falou abertamente sobre tudo o que tinha presenciado em Tsorvo. Não deixou nada de fora. Os nobres ficaram a maior parte do tempo em silêncio e ouvindo - interrompendo raramente, e apenas para esclarecer algum ponto da narrativa.

Quando o cozinheiro terminou seu relato, Lorde Carmell já estava completamente desperto. Ordenou que ele retornasse à Tsorvo como veio e que os Myrmidons deveriam seguir pelo túnel aberto no espelho e descobrir o que havia do outro lado. Deveriam matar todos os demônios que encontrassem. Levantando, mandou chamar o capitão da guarda, Sargos Grimmwulf, e pediu que ele preparasse todos os homens para proteger Skyfall, enquanto enviaria uma brigada à Tsorvo para prestar socorro aos sobreviventes. E tentaria entrar em contato com esse Lorde Qyle de Brynndol, desconhecido por eles.

Sir Derron, quando inquirido por Cook, conseguiu explicar os objetos trazidos. Após examinar os itens minuciosamente e com um feitiço de escrutínio que fez sua fronte verter um fluído brilhante da cor do céu de verão, disse que eram feitos com o auxílio de poções alquímicas. Contou que o frasco de vidro era uma poção luminescente: bastava abrir a tampa e jogar a pílula no seu interior para que fosse criada uma reação que geraria uma luz fria. O ovo de jaspe era um objeto de cura. Se pressionado, seria esmagado com facilidade. De dentro do ovo emanaria um miasma que curaria ferimentos e mazelas de quem o esmagou em sua palma. O cozinheiro agradeceu, silenciosamente invejando o conhecimento compartilhado, pegou os itens e partiu.

Tentou dobrar o espaço diretamente da sala onde estava, mas suas suspeitas viraram certeza: Sir Derron disse que o castelo de Skyfall era protegido contra esse tipo de invasão mágica. Deveria tentar do lado de fora. Sentindo-se ignorante pela primeira vez em anos, Damon Cook decidiu que não gostava do velho feiticeiro.

Saiu em direção ao portão principal e viu metade do castelo acordada. Soldados preparavam-se para partir. Ainda que tudo desse errado, a centena de homens armados que chegariam a Tsorvo em meio dia poderia resgatar seus corpos. Concentrando-se por um momento, novamente sumiu em meio a fumaça púrpura. Voltou o topo da torre de Lorde Octavius de Tsorvo.

No pouco mais de uma hora que se passou, Hagen, impaciente, não queria esperar. Descortinou o espelho e entrou no corredor. Mitrin resolveu o acompanhar, por segurança. Era um túnel de rocha marrom clara, quase perfeitamente esférico, excluindo-se o chão, reto. O anão notou que o caminho era de aparência natural e não esculpido por homens. Andaram alguns passos, e iluminados pelo fraco luar, viram uma placa na parede de pedra. Era feita de bronze, alguns tons mais escuros que a parede, e tinha uma inscrição em velho Imperial, língua desconhecida para ambos. Abaixo da placa, uma estátua de uma harpia, uma criatura meio mulher, meio águia. Era encrustada na rocha sólida pelas patas e garras e protegia a sua frente com as grandes asas, parcialmente escondida. Ao lado da estátua, uma simples alavanca apontava o teto.

Imagem conceitual, não uma reprodução exata da estátua. 

Hagen queria prosseguir, mesmo sem saber o que aquilo significava. Chamou por Sodoma e pediu uma tradução. Acreditando que isso iria apressar ainda mais o seguidor de Tyr, o necromante simplesmente permaneceu onde estava. Forçosamente, os homens de armas aguardaram.

E então a nuvem de fumaça trouxe o cozinheiro de volta. Ele informou o que se passara em Skyfall e para que serviam os itens. E repassou as ordens de seu lorde; tinham de passar pelo portal. Matar todos os demônios. Hagen agradeceu, sedento por ação.

Antes de ir, porém, tomaram algumas precauções. Alexandros Mograine desenhou com suas lâminas alguns riscos no chão de pedra, um grande círculo delimitando o espelho. Conforme ia marcando as pedras, rezava e tocava seu corpo e a marca com as mãos. O brilho azul em seus olhos oscilava, parecendo acompanhar sua reza, ora como lanternas, ora como estrelas. Em pouco tempo, havia desenhado um círculo cheio de símbolos. Disse ter projetado um feitiço de proteção e que nenhuma criatura mágica poderia cruzar os limites da roda. Assegurou que nenhum demônio sairia, não importando o que acontecesse. Hochsend aproveitou a oportunidade e postou os Guardiões da torre, mesmo trôpegos, ao redor desse anel.

Julgavam ser a melhor proteção que podiam fazer. E um a um, entraram no túnel. Quando Hochsend pisou no chão de terra, a caverna soltou um longo GRITO, vindo de todos os lugares, como centenas de mulheres e crianças em sofrimento. Era ALTÍSSIMO, e os Myrmidons tomaram um grande susto e se abalaram, cobrindo os ouvidos. De alguma forma, esse lugar reagiu na entrada do cavaleiro. Ainda assim, só havia um caminho. Quando os gritos cessaram, tão rápido quanto vieram, prosseguiram sem trocar palavras.

Ao chegar na placa com a frase em Imperial, Cook e Sodoma a leram. Estava escrito "eínai tyflos viderent et viderentur in tenebris". Disseram significar "andem sem ver ou vejam e sejam vistos". Hagen puxou a alavanca enquanto os outros pareciam pensativos, decidindo o que fazer. Com vários estalos, algum peso foi liberado por trás da pedra. Com movimentos entrecortados, a estatua da harpia, um autômato movido por cabos, abriu suas asas e as mãos estendidas portando algo que parecia um quartzo do tamanho de um olho, como uma oferenda. Ao término do que pareceu ser um giro de uma roda invisível, a tensão dos cabos se foi, e a estátua juntou as mãos e asas violentamente, voltando à posição inicial. Ao fazer isso, as pedras em suas mãos se chocaram e uma chuva de faíscas foi lançada nas proximidades, como de uma pederneira. Um fogo se acendeu numa reentrância até então invisível na parede, abaixo da alavanca, e um risco de chamas foi seguindo pela parede direita do túnel, até onde a vista alcançava. Era como se um rastilho feito com óleo de lamparina fosse aceso, uma longa língua de fogo lambendo a rocha... iluminando o caminho.

Entre indiferentes com a luz e contrariados com Hagen pela impulsividade, seguiram em frente. Veriam o caminho, afinal. Sodoma, ainda em silêncio, apontou o que achava da ação fazendo verter uma forte luz leitosa dos olhos da cabeça encolhida que ficava empoleirada em seu cajado mágico.

Seguindo pelo túnel, era fácil notar que algo não estava certo. Não era um túnel feito por seres pensantes, assegurou o anão, mas sim uma ocorrência que parecia natural. E no entanto, era uma caverna diferentes de todas, as rochas desérticas, sem umidade, sem fungos, quase nenhuma vegetação. Sem insetos. Sem o ar parado. Largo, até três Myrmidons conseguiam andar lado a lado, e com espaço para combater - pois era o que todos esperavam. E parecia infinito.




Andaram pelo que pareceu ser uma boa hora. Sem alterações, tudo era igual. O rastilho de fogo na parede iluminava o caminho como uma dezena de tochas. Num dado momento, o túnel começou uma descida. No final da descida, um passagem em arco. Com cautela, examinaram o que vinha além: uma caverna, aparentemente natural como o túnel, mas também perfeitamente esférica, sem estalactites ou estalagmites e que terminava em um pequeno lago subterrâneo.

Yasmin, sendo uma ælfa da água, prontamente se voluntariou para examinar o lago. Sendo anfíbia, praticamente agradeceu a chance de um belo banho gelado. Mergulhou e saiu da vista dos Myrmidons, que permaneciam na beirada no lago, olhando o rastilho de fogo prosseguir, debaixo d´água, ao desconhecido.

Um breve momento de tensão, e Yasmin retornou. Parecia mais bela saindo d´água. Disse que era um lago "em formato de gota", profundo largo na parte de baixo, e muito mais estreito em cima. O rastilho de fogo continuava a queimar, de alguma forma, como uma poção borbulhante. Mesmo com essa luz, ela não conseguia enxergar o fundo do lago, e resolveu não se afastar tanto. Não havia um bolsão de ar, mas após pouco mais de uma dezena de metros, uma saída. O túnel continuava. O lago seria então mais um obstáculo simples.

Para uma ælfa da água, claro. Que respirava ar. Ao relatar o que encontrou, metade do grupo se entreolhou. Muitos não sabiam nadar. Hagen, Hochsend, Mitrin...

Depois de um tanto de deliberação, decidiram que as ælfas, Yasmin e Siltari, iriam nadar para o outro lado com duas cordas unidas em uma. Tentariam amarrar em algum lugar e dariam um aviso. Tudo certo, os outros passariam segurando a corda, submersos completamente, tentando apenas segurar o fôlego por pouco mais de uma dezena de metros. Parecia simples.

Parecia.

Alheio ao planejamento, Damon Cook disse que não precisavam se preocupar com ele. Um breve  momento de concentração, e ele pareceu vibrar, de alguma forma. Deu dois passos e *atravessou* a parede do lado, andando pela rocha como se fosse ar. Yasmin e Siltari cruzaram o lago novamente, procurando um local para ancorar a corda. Viram Cook sair da parede do lado delas, seco. Ficou ali olhando e esperando. Pouco a frente, o túnel parecia chegar ao final.

Não havia onde amarrar a corda. Não havia pedra ou ponto de apoio ou reentrâncias - outra estranheza do túnel, liso. A solução foi carregar Hagen para o outro lado, o segundo mais forte dos Myrmidons. Ambas não tiveram trabalho para submergir o cavaleiro, já que ele não tirou a armadura, armas e equipamento, mas fazê-lo não se debater e engasgar foi impossível. Hagen passou, embora quase se afogasse. De lá, depois de assoar a água, segurou a ponta da corda. Do outro lado, Mitrin, o gigantesco anão, esse sim o mais forte, segurava a corda como a um barbante.

Um a um, começaram a passar. Com maior ou menor facilidade, a maioria se afogou e respirou água, embora a corda e as ælfas impedissem o pior. Sodoma, um dos que menos precisou de ajuda, notou um movimento indefinido no fundo do lago, olhando com a ajuda da luz de seu cajado. Saindo, molhado, pediu para que se apressassem, pois previa problemas.

Provou estar certo. Uma estranha criatura apareceu, massiva. Cobria quase todo o espaço de cima do formato de gota - certamente antinatural, aparentava-se com duas águas-vivas gigantes, coladas pelas traseiras. Era levemente fluorescente, e tinha dezenas de tentáculos que saiam pelas laterais e alcançavam ambos os lados dos túneis. E atacou os Myrmidons por ambas as frentes!

Novamente, imagem conceitual.
A situação era caótica. Hagen segurava a corda de um lado, impedido de combater. Hochsend o ajudou, protegendo-o com o escudo, mas os tentáculos eram muitos, e o cavaleiro não podia recuar. Hagen ora tentava largar a corda e golpear, ora a mantinha segura - mas escorregava e entrava no lago até as coxas, indo e voltando.

Sodoma disparou um feixe de luz solar da ponta de seu cajado e queimou a criatura mesmo dentro do lago. Damon Cook desapareceu. Ninguém sabia onde ele estava. Do outro lado, Mitrin segurava a ponta da corda, enquanto tentava afastar os tentáculos com seu grande machado. Luparus recuou esgrimindo: não sabendo como ajudar ou atravessar com Garã, seu macaco, escolheu sabiamente não atrapalhar. Alexandros cortava os tentáculos que saiam da água, mas eram muitos, e isso não reduziu o ímpeto do monstro. Yasmin ficou dentro do lago, tentando pelo menos afugentar a imensa criatura furando-a com seu tridente pelos flancos.

Em parte combate, em parte cabo de guerra, a tática da criatura era clara: agarrar os Myrmidons com seus longos tentáculos e arrastá-los para a água. Uma vez submersos, a morte era certa, entre serem afogados e comidos vivos. Sons diversos ecoavam pelos túneis - água chapinhando alto, gemidos de força ao puxar a corda, brados de batalha, o som de metal contra a carne gelatinosa, e gritos de desespero ao serem agarrados e puxados. Ninguém ainda tinha sido totalmente puxado, graças à ajuda uns dos outros. Em um determinado momento, Hagen foi agarrado pela cintura e esmagado. Teria sido puxado, não fosse um feitiço vindo do nada, um raio verde atordoante, que, com um barulho metálico, fez a criatura o largar.

Sodoma concentrou-se com mais vontade, e sua determinação fez verter de seu cajado um feixe de luz solar mais poderoso, esse sim queimando gravemente a criatura. Ao mesmo tempo, Alexandros conjurou um feitiço de desidratação, um dos focos de sua magia do frio, enfraquecendo ainda mais o monstro. Foi então que, cansado do impasse e para aproveitar essa chance, Mitrin adotou uma tática suicida: enrolou a corda ao braço com firmeza, e entrou gritando na água, desferindo os golpes mais fortes que conseguia direto no corpo da criatura. Seu heroísmo, até então conhecido apenas por fama, pôde ser testemunhado pelo grande estrago que fez - grandes pedaços de carne gelatinosa separaram-se em meio a um líquido viscoso e a água gélida, e a criatura soltou a todos. Com golpes capazes de colocar abaixo o mais forte dos portões de castelo, Mitrin Drachenlager, o Dragão sob a Montanha, golpeou freneticamente o ser estranho, até que esse estremecesse e afundasse lentamente.

Ao assistir a criatura fugindo ferida ou inconsciente, aproveitaram para passar. Ambas ælfas ajudaram o resto dos Myrmidons a nadar. Nesse ínterim, uma briga. Damon apareceu, revelando ser o fim do túnel uma de suas ilusões para que possíveis inimigos não viessem pela retaguarda, uma parede falsa. Irônico, criticou a postura vacilante de Hagen: "ao que parece, Tyr não tem poderes debaixo da água".

Conhecido por seu temperamento esquentado, o servo do Deus da Justiça começou a discutir, mesmo enquanto os outros ainda passavam com dificuldade para o outro lado. Largou sua ponta da corda, e forçosamente Hochsend a agarrou. Mais ofensas voaram, e foram às vias de fato - ao ouvir um novo deboche à seu deus, Hagen desferiu dois socos no cozinheiro. Este, por sua vez, pareceu tremular como uma miragem, e teleportou-se na distância de um passo, evadindo-se de um dos socos. O outro golpe, ele desviou com seu bastão. Ao ver a fúria nos olhos do cavaleiro, recuou, e mandando um beijo jocoso, fundiu-se novamente com a parede, fora do alcance. Enquanto isso Hochsend tentava acalmar os ânimos e pedir ajuda, ainda segurando sua ponta da corda e auxiliando os outros. Sem sucesso.

Em pouco tempo, todos estão do outro lado. Cansados, molhados e com frio. Garã deu menos trabalho que o imaginado, mas acabou afogando-se um pouco, como todos. Era um clima tenso, onde ouviam-se apenas tosses e reclamações. Damon revelou, numa nova provocação, que o feitiço desconhecido que havia salvado a vida de Hagen tinha sido sua obra.

Afastando-se da borda do lago, viram que o túnel continuava, idêntico, para cima. O rastilho de fogo, como feito por alquimia ou magia, saía de dentro da água e continua iluminando, sempre à parede da direita. Discutiram todos sobre seriedade e responsabilidade, e que não poderia haver brigas entre eles enquanto estivessem nessa situação, um tão dependente da ajuda do próximo. Relutantemente, uma trégua foi feita.

Novamente andaram pelo que pareceu serem horas. Subiram um tanto e depois andaram, retos como uma flecha. Depois curvas leves para a esquerda e direita, e o túnel desembocou em uma nova arcada. Acabava numa sala, essa sim feita por construtores. Tinha mais de dez metros de largura por vinte de comprimento, divididos por três fileiras de três colunas espaçadas igualmente.


Cansados de serem pegos de surpresa, examinaram o máximo que podiam sem atravessar a arcada. Damon Cook e Sodoma notaram, ao mesmo tempo, que entre as colunas haviam várias cópias de um dos símbolos místicos do elemento fogo. Após conjurar um feitiço tremeluzente, Sodoma avisou ao grupo que haviam inimigos esperando e que não pisassem nos símbolos.


Hochsend decidiu fazer uma formação de batalha, com Hagen e Mitrin ao seu lado na vanguarda, Yasmin, Alexandros e Luparus no meio e Sodoma e Cook na retaguarda. Siltari voava acima do grupo, no espaço entre suas cabeças e o teto, através de um feitiço de voo que fazia o ar a sua volta cintilar e a fazia exalar um leve odor de alfazemas.

Adentraram a sala lentamente. Ninguém à vista, foram avançando até a primeira fileira de colunas. Hochsend sentia o mal da sala, como se combatesse sua fé em Tyr. O mesmo deus pulsava dentro de Hagen, avisando-o de inimigos. Hochsend acreditava que as colunas era de onde o mal emanava, então foi até uma delas, em guarda, e tentou desajeitadamente "exorcizar" a arquitetura. Sem um ritual de preparação ou orações, apenas bateu em uma das colunas com seu escudo...

... e imediatamente após isso, Demônios Antigos, do mesmo tipo que eles encontraram na Torre de Tsorvo, saíram de dentro da arquitetura, findando sua fusão com a pedra! Eram nove deles, um para cada coluna. Todos feitos da união da rocha e do fogo, portando correntes e armas incandescentes, no formato de espadas curvas, ganchos ou porretes.

Novamente, houve combate. Novamente, o sons de metal faiscando pedra, cordas de arco sendo retesadas e soltas, urros e brados e o sangue respingando. Hochsend iniciou imediatamente um ataque a criatura que estava bem à sua frente, cuidando para que pudesse improvisar uma parede de escudos com Hagen e Mitrin. Teria funcionado muito bem, se ambos não avançassem um para cada lado, em busca do Demônio Antigo mais próximo, quebrando a formação. Yasmin e Sodoma lançaram diferentes feitiços: um jato de água de alta pressão em um dos inimigos e um atordoamento mental em outro. O Demônio que lutava contra Hochsend recuou levemente, trocando o peso do corpo para a perna esquerda, pisando no símbolo gravado no chão da caverna. Com um estrondo, uma COLUNA DE FOGO ergueu-se explosiva, como uma erupção em miniatura. Como que por mágica, TODOS os círculos no chão verteram chamas, e foi apenas por sorte que nenhum dos Myrmidons foi atingido. No entanto, o salão da caverna agora era dividido por pilar de fogo, coluna, pilar de fogo, coluna, pilar de fogo, coluna, pilar de fogo... quatro e três, intercalados, vinte e uma barreiras. As criaturas pareciam imunes ao fogo, renovadas até.

Siltari, voando habilidosamente por entre estes obstáculos, disparava flechas com maestria e olhava de cima a todo o combate. Os nove inimigos avançavam, mas havia uma arcada no final que indicada a saída. Damon fez por bruxaria que uma coluna se derretesse parcialmente, virando lama, e escorresse sobre um dos pilares de fogo. A tática funcionou parcialmente, uma vez que as chamas foram apenas abafadas, e não apagadas. Alexandros correu junto à parede, e evitou que fossem flanqueados por um dos Demônios. Luparus, ao notar o caos que a formação tinha se tornado, jogou uma de suas bombas de fumaça, obscurecendo a visão dos monstros.

Tentavam se virar o melhor que podiam, todos os Myrmidons envolvidos em combate. Os Demônios pareciam lutar com jubilo e prazer pela matança, com um arremedo de sorriso entre as rochas que se assemelhavam a dentes, e buscavam, sem explicação racional, à Hochsend. Um deles girou sua pesada corrente flamejante com tamanha velocidade e ódio, que o jovem não conseguiu se defender... com um estalo alto, seu braço quebrou-se ao meio, o grande escudo anão pendendo ao seu lado, inerte.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

GURPS ÆRTH - Capitulo 5

Após tensos segundos em que os grupos se observam, os Demônios Antigos recuam do parapeito. É óbvio que elas sabem da presença dos Myrmidons, e, fora da visão, se preparam para algo. O grupo prefere não esperar, mesmo tendo perdido completamente o efeito surpresa. Embora alguns queiram voltar à Skyfall e pedir reforços, sabem que a viagem de ida e volta, junto com a preparação de um exército mínimo levaria dias... Assim, acabaram entrando em acordo que o último aviso de que "não havia tempo" de Lorde Octavius deveria ser levado mais à sério.

Novamente, Belly Swan ficou acompanhando a carroça e os cavalos, junto de poucos companheiros, como "Olhos-Frios" Marash-Do e Ronan Brocknock. Já Luparus "Mil Olhos", Hagen, Hochsend von Schultz, Mitrin Drachelager, Alexandros Mograine, Sodoma, Siltari Tauri, Damon Cook e Yasmin prepararam-se e entraram na Torre. Não seria uma missão de salvamento. Desejavam exterminar todos inimigos que encontrassem.

Vasculhando o andar inferior, havia apenas destruição. A criatura encontrada na biblioteca jazia sozinha, um monte de pedras irreconhecíveis. Caminhando para a escada que leva ao segundo andar, Hagen notou que as armaduras anteriormente exibidas estavam todas no chão, espalhadas. Estendeu a mão até uma manopla caída, talvez para verificar se poderia usar a peça... mas no momento em que a pegou, notou duas coisas: a primeira é que a "armadura" era na verdade uma parte oca de uma estátua, feita de um mármore claro e polido de veios verdes e com filigranas de prata, somente semelhante a uma armadura real (embora tivessem partes móveis). A segunda coisa que notou é que todos os pedaços de estatuas começaram a convulsionar em uníssono. Todos se prepararam para a eminência de problemas - parecia que uma força invisível juntava as peças, reconstruindo as estátuas, como se vestindo homens que não estavam lá. Em segundos, remontaram-se. Todos prepararam-se para um possível combate, Mitrin já desferindo alguns golpes contra um peitoral próximo que, mesmo avariado, continuava sendo movido pela força invisível.

As estátuas começaram a andar sozinhas, animadas por forças desconhecidas claramente sobrenaturais. Eram oito; todas portavam algum tipo de arma, feita da mescla de metal e pedra - ora espadas, ora machados; maças e manguais. Todas portavam um escudo de algum tipo, e seus símbolos heráldicos eram diferentes uns dos outros. Havia estrelas e cometas, árvores e martelos e grifos e dragões. Andavam lentamente e ameaçadoramente contra os Myrmidons.

Porém, antes do que parecia ser um combate iminente , enquanto a maioria do grupo rangia os dentes, Hochsend fez como de costume e deu uma chance de rendição aos inimigos, sem se importar se eles eram ou não construtos. "Alto!", ele disse. "Não somos inimigos!".

E, como no mesmo passe de mágica que remontou as estátuas, elas pararam e se viraram para o jovem cavaleiro. Paradas permaneceram. Em um momento de tensão, ele arriscou: "Viemos recuperar a torre de Lorde Octavius. Ajudem-nos ou deixem-nos em paz!".

As estátuas fizeram uma lenta mesura e postaram-se em formação de batalha à frente de Hochsend. Aliviados pelo reforço inesperado, o grupo relaxou e seguiu subindo as escadas. Hochsend ordenou as estátuas em formação ao redor dos Myrmidons. Pelo visto, elas eram algum tipo de proteção do local.

O grupo, agora numeroso, começou a cautelosa subida das escadas. No segundo e terceiro andar, a mesma decoração da destruição, como se um forte vento tivesse varrido os passadiços - armários e gavetas e estantes reviradas, jogadas ao chão, junto de tapetes queimados e cortinas chamuscadas. Tudo que tinha tampa ou coberta ou era algum tipo de invólucro ou vasilha ou recipiente estavam revirados e foram atirados ao chão. Era óbvio que criaturas como as vistas, talvez aquelas mesmo, estiveram vasculhando pelos andares. Exatamente por isso, os Myrmidons subiram lentamente esperando uma armadilha. Mas tudo percorreu bem.

No último andar havia o quarto pessoal de Lorde Octavius de Tsorvo, e a porta para o topo da torre. Estava fechada. Ao passarem para os últimos três degraus antes do aposento, Sodoma, Siltari, Yasmin e Damon Cook - os manipuladores da magia - sentiram uma certa vertigem: como se tivessem ultrapassado alguma barreira invisível e que uma força desconhecida os afetasse, dobrasse e torcesse a realidade. Pelos seus olhares era óbvio que algo estava errado com o Æter do local. Além dos comentários tecidos por eles, os guardiões de mármore começarem a convulsionar levemente e cambalear ao passarem a mesma fronteira imaginária. De soldados altivos, pareciam bêbados armados. Damon Cook notou que a torre era anteriormente um território fértil misticamente - de mana alto - por toda sua extensão. Agora, não mais. Algo estava errado com o mana local, mas ninguém sabia dizer o que e porquê.

Ainda assim, os Myrmidons continuaram. Hochsend reposicionou os guardiões o melhor que pode, e novamente prepararam-se para o combate. Era óbvio que as criaturas estavam além da porta que dava ao topo descoberto da torre. Em formação, abriram a porta.

O topo da torre parte quarto principal, parte varanda; uma sacada aberta, onde Luparus havia visto o Lorde Octavius trabalhando numa mesa repleta de artefatos que ele não sabia o uso. A mesa estava lá, assim como os artefatos, intocados. Avançando lentamente, a vanguarda do grupo passou das portas abertas.

Instantaneamente, algo forçou as portas para dentro, tentando isolar o grupo! Uma das portas se fechou com um estrondo, quando Mograine agachou e rolou para esquivar dela. A outra porta foi interrompida pelo resistente ombro de Hagen. Ao mesmo tempo, os seres de rocha e fogo que tinham sido vistos saíram das paredes paralelas à porta dupla - de DENTRO delas, como se deixassem um lago turvo - irrompendo em chamas, brasas escaldantes e calor, uma explosão em forma humanoide, portando correntes, cimitarras e clavas incandescentes! Eram quatro: dois de cada parede lateral e dois levantando diretamente do solo à frente. Estavam escondidos mesclados às rochas!

Mais uma vez, o combate aconteceu, de maneira rápida e abrupta. Na frente, Hagen e Mitrin avançaram golpeando, de modo liberar a passagem e sair da frente da porta. Alexandros, rolando e levantando-se num só movimento, cruzou golpes com uma outra criatura. Hochsend ia defendendo-se como podia, tentando sem muito sucesso formar uma parede - após a linha de frente improvisada se quebrar, apenas sua incrível habilidade com o grande escudo anão o manteve bloqueando golpes direcionados aos companheiros em ambos os lados. Protegidos pelos guardiões, que formaram um certo perímetro, os outros revezavam ataques com armas de longa distância com magia e feitiços.

Após breves segundos, os seres de rocha e fogo não conseguiram segurar o ímpeto dos Myrmidons. Logo, a frente, um deles ficava imóvel, por causa de um feitiço de controle da mente saído da vontade de Sodoma, a luz saída dos olhos da cabeça encolhida na ponta de seu cajado parecendo confundir o Demônio Antigo. À esquerda, uma chuva de golpes de Hagen e Mitrin transformou em pedaços o inimigo. Á direita, Alexandros soprou em uma das suas lâminas e com o mesmo brilho azul antinatural de seus olhos, ela se tornou gélida, coberta de condensação, gelo e exalando uma névoa cortante. Enquanto o demônio era atingido pelas flechas de Siltari e alguns outros feitiços de Yasmin, ele cravou sua espada onde ficariam as costelas em uma pessoa normal e torceu. Com um grito, a criatura dissolveu-se em escombros.

A terceira criatura teve um fim ainda mais estranho. Damon Cook pareceu encarar o vazio por um momento, como se ouvisse vozes ou contemplasse uma piada própria. Depois, encarou uma das criaturas que golpeava de maneira inclemente o escudo de Hochsend. Uma emanação trêmula e ocre vinda do cozinheiro transformou instantaneamente a criatura em um cadáver humano! O fogo cessou de existir, e as rochas deram lugar a carne morta. Era um homem com as vestes manchadas dos guardas. Tinha cheiro de terra molhada e decadência.

Apenas um restava. Todos saíram para varanda no topo da torre e Sodoma, em aparente controle das ações da criatura, começou a conversar com a mesma. Era uma língua estranha, ininteligível, cheia de sons fricativos. De perto, notava-se que embora todos os Demônios Antigos fossem como fogo preso num corpo rochoso, escapando por eventuais frestas, eram definitivamente diferentes, e não construtos idênticos. Esse tinha um olhar de malícia e divertimento enquanto conversava com o necromante.

Quando Sodoma pareceu satisfeito, mandou a criatura fechar os olhos e não se mover. Depois, apenas meneou para que os guerreiros a destruíssem. Sem reação de defesa, isso foi feito à perfeição.

Sem mais inimigos na torre, os Myrmidons passaram a vasculhar os ambientes. A sacada era um local de observação de corpos celestes utilizado por Lorde Octavius. Era adjacente à seu quarto e tinha uma grande mesa de bronze e latão com artefatos. Melhor examinados pelos estudiosos, os artefatos eram próprios para mensurar as estrelas e seus movimentos: esferas de vidro e lentes de cristal, astrolábios, quadrantes, réguas e esquadros, ampulhetas... a mesa estava também munida de pena, tinta e pergaminhos, preenchidos parcialmente com garranchos que pareciam listar constelações, datas, marés e mudanças climáticas.

No chão de pedra eram visíveis sulcos criados por espaços deliberados dos paralelepípedos. Esses sulcos haviam sido pintados e preenchidos com uma tinta azul brilhante de cheiro acre, formando um símbolo geométrico desconhecido, uma espécie de círculo com partes de um triangulo ou pontas e linhas que se cruzavam. A mesa estava no centro deste símbolo. Ao olhar embaixo dela, notaram que a sua parte de baixo era um espelho. Sodoma, que ao examinar o livro Receitas de Rosenbaum havia se imbuído se um feitiço de memória, afirmou que as bordas desse espelho eram exatamente as mesmas representadas em um desenho de um dos espelhos do livro. Uma cópia fidedigna.

Com muito cuidado, os Myrmidons foram levantando a pesada mesa, de modo a inverter os lados e deixar o espelho para cima. Notaram que os pés da mesa, em latão, eram presos ao chão de pedra e apenas o tampo se movimentava. Ao colocarem o espelho para cima, ele imediatamente refletiu as estrelas do céu - era uma imagem bonita, o espelho impecavelmente limpo, refletindo os corpos celestes em contraste com o negrume do firmamento. E, depois de um breve momento, a imagem começou a tremular, como o reflexo em um lago soprado pelo vento. E sumiu. E, assim de repente, não havia mais um espelho refletindo o céu. Havia uma passagem, e ela levava ao que se assemelhava com um poço de pedra, descendo de maneira impossível para muito além das costas do espelho e do chão da sacada. Preocupados, sem saber o que havia do outro lado, os Myrmidons levantaram o portal e o colocaram na vertical. O poço tornou-se um corredor. Hochsend mandou que os guardiões o cercassem, o que eles fizeram, ainda que aos trancos. Pegaram uma das cortinas do quarto, de veludo rubro e pesado, e cobriram a entrada.

Enquanto alguns vigiavam a nova porta que se abrira, outros vasculhavam os aposentos do falecido Lorde. Um ambiente com as amenidades de um nobre rico, sem ser suntuoso ao extremo. Tudo era de boa qualidade: havia um lavabo, com louças de porcelana decorada com flores vermelhas. Um armário com muitas roupas; Octavius tinha uma predileção por tecidos pesados. Uma grande cama de penas, coberta com peles confortáveis. Damon Cook, acostumado ao trabalho doméstico, notou que um dos tapetes estava estranhamente posicionado ao pé da cama, por onde o Lorde dificilmente caminharia. Levantou-o e achou um pequeno alçapão. Forçando a fechadura, foi revelado um cofre contendo um baú. Tinha um braço de comprimento, por pouco mais de meio braço de altura e largura. Era de carvalho reforçado com ferro negro, e tinha uma boa fechadura.

Ainda assim, a fechadura foi aberta, e todos viram seu conteúdo. Havia os documentos pessoais de Lorde Octavius: seu título de nobreza, as escrituras de suas terras e da torre, junto com alguns mapas das propriedades ao redor, de Tsorvo e uma listagem de arrendatários e moinhos e pontos de interesse. Havia também uma lista dos mantimentos da torre, acompanhada de uma lista de suplementos à comprar. Das dívidas e recebimentos e uma contagem de saldo. Havia também um testamento. Chamou a atenção dos Myrmidons uma particularidade do documento: Lorde Octavius deixava todos os espelhos da torre, sem exceção, à Lorde Qyle de Brynndol. Com a obviedade de um espelho transformando-se num portal, tomaram nota desse fato.

Junto dos documentos, estavam dez pequenos frascos de vidro reforçado com metal que cabiam na palma da mão. Eram cheios de um líquido transparente como água, porém muito mais viscoso e com um cheiro alcalino. Amarrado delicadamente com uma linha fina à seu gargalo e rolha, cada garrafa era acompanhada por uma pequeno envelope de gaze. Dentro, cada um tinha uma pílula da cor do pus, que cheirava a limão.



Também haviam dez pedras de jaspe, vermelhas com veios negros e verdes, esculpidas e do tamanho de ovos. Eram quentes ao toque, da temperatura da pele humana.
Ninguém imaginava o que seriam esses dois itens, ou sua serventia.

A última coisa que o baú continha era um saco de veludo e couro negro que continha F$10 mil, em duzentas moedas de cinquenta Fênix de prata.

Tinham certeza que eram os únicos artefatos dignos de nota. Haviam encontrado tudo. Passaram então a ponderar suas opções. Podiam ir até o outro lado da passagem, e ver o que lá havia. Talvez fosse a fonte de todo o mal que se assomou por Tsorvo. Afinal, não havia tempo de voltar à Skyfall e pedir reforços ou consultar o Lorde Carmell...

... ou será que havia?

Damon Cook disse que poderia fazer a viagem instantaneamente, com um feitiço poderoso. Teria que ir sozinho. Pegou um dos frascos de vidro e uma das pedras de jaspe e disse que voltaria logo. Novamente, pareceu olhar para o vazio. Com um estrondo e um alto barulho de sucção, o "cozinheiro" sumiu numa nuvem de fumaça púrpura.

Todos se entreolharam e resolveram descansar.
Tinham de aguardar.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

GURPS ÆRTH - Capitulo 4

Finalmente seguindo para a cidade, o grupo continua na noite fria.

Hagen seguia na vanguarda, e Siltari como batedora algumas dezenas de metros à frente. Em meio à grande confusão de fugitivos na estrada, a ælfa encontrou o cadáver de um dos prisioneiros recém-libertos, um dos goblins capturados. Enquanto o resto dos Myrmidons passava, ela perdeu algum tempo o enterrando, triste em ver tal desfecho. Quem teria o matado? Ela não sabia, mas a criaturinha estava claramente muito ferida e com a garganta cortada. Talvez tenha sido linchado pela plebe raivosa? Triste, ela fez da melhor maneira que pôde uma pilha de pedras sobre o corpo, um túmulo artesanal à beira da estrada.

Isso pareceu ser mais um mal presságio para Belly Swan. Continuou conduzindo a carroça sem deixar de reclamar e pedindo para que abandonassem a viagem. Ainda assim, persistiram. Logo, os fugitivos tornam-se raros. Depois, findaram. Apenas eles percorreram os últimos quilômetros em direção a vila de Tsorvo. Da estrada descendente, a cidade parecia ficar em um pequeno e largo vale abaixo, como se repousasse no fundo de um prato de sopa e o grupo estivesse descendo de sua borda. Mesmo da distância deste último trecho de viagem, já era possível notar o horror: Tsorvo em cinzas e silêncio, longas espirais de fumaça negra sobre a vila.

Todos juntos, entraram com cautela pelo portão principal. Os guardas estavam mortos. Por onde passaram, cadáveres e casas queimadas. Alguns poucos focos de incêndio permanecem, mas parecia que o pior já passou, ou que eles chegaram tarde demais. Hagen estudou alguns cadáveres. Eles tinham marcas de contusão e queimaduras. Definitivamente morreram em combate. Pareceu que foram mortos com golpes de tochas, ou talvez uma acha em chamas... uma maça incandescente?

Decidem prosseguir imediatamente a torre de Lorde Octavius. Hagen e Yasmin preferiram uma abordagem mais direta, e cortaram pelo meio da cidade, à plena vista. Yasmin é uma ælfa aquática, um tipo raro de ælfo adaptado para sobreviver debaixo d'água, se instalando no leito de rios e oceanos, em vilarejos primitivos. Embora a temperatura da água de Norlland seja mais fria do que ela normalmente prefere, viu como uma boa oportunidade pessoal em servir à Skyfall.

Sodoma, Siltari e o resto dos Myrmidons preferiram levar a carroça por um caminho mais escondido, passando pela periferia e usando a cobertura das ruínas noturnas. Pelos arredores, a visão era a mesma: pelo visto, o ataque chegou em todos os cantos da cidade na noite anterior.

Hagen e Yasmin chegaram, então, ao pátio de entrada da torre. Lá eram presentes os mesmos sinais de ataques e mais corpos. Em frente a escadaria de entrada, no entanto, um homem estava amarrado ao poço de água doce. Estava terrivelmente espancado, porém vivo. Hagen pediu para que Yasmin apressasse os outros. Assim, ela saiu em disparada buscando a carroça.

Era um homem de meia idade, moreno, de sobrancelhas juntas e uma barba de poucos dias. Seu rosto estava desfigurado por um grave espancamento. Acordou de seu desmaio assim que pareceu ouvir a armadura de Hagen se aproximando. Enquanto o servo de Tyr desamarrava seus braços do tronco acima, ele começou a falar, debilmente:

"Não há tempo... Você deve achar o livro de Rosenbaum... na seção de culinária... Não se esqueça... Excelsior. Não há tempo e há mais do que um espelho... eu escondi um, mas não consegui mais... Você precisa avisar..."

Gastou seu fôlego final no estranho aviso. Havia morrido antes mesmo de Hagen o desamarrar por completo. Assim que a vida deixou seu corpo, seu rosto se torceu e mudou, como a água escoando de uma bacia furada. Suas feições de transformaram, e só então Hagen o reconheceu: o homem era o Lorde Octavius de Tsorvo, agora morto.

Enquanto isso, Yasmin encontrou o grupo iniciando a subida à torre, e pediu para que se apressassem. Quando chegaram lá, encontraram o cavaleiro velando o corpo do nobre. Hagen contou o que havia acontecido.

Belly Swan decidiu ficar do lado de fora, cuidando dos cavalos que andavam inquietos. Outros a acompanharam, montando guarda à torre e investigando os arredores. Já Siltari, Sodoma, Damon, Yasmin e Hagen decidiram invadir e investigar a torre.

Dentro do edifício, mais destruição. Móveis queimados e arruinados, estátuas caídas, as tapeçarias parcialmente arrancadas de seus suportes: tudo revirado. O local parecia o cenário de um grande combate já encerrado - marcas de sangue em alguns lugares e o salão principal parcialmente passado à tocha. Os cinco foram diretamente para a biblioteca, como lembravam-se de sua última visita. Ao se aproximarem, ouviram um estrondo vindo de lá dentro, algo pesado caindo. Hagen correu e pôs a porta abaixo com um chute bem colocado, quase arrancando-a de seus gonzos com seu peso.

A biblioteca estava como o resto da torre, uma bagunça. Estantes viradas, livros espalhados, muitos deles parcialmente queimados, outros tantos ainda ardendo. Em frente a entrada, no meio do aposento, o causador de um tudo isso. Um ser feito de sombras, pedra, carvão e fogo, revirando livros!





Seguiu-se um breve e terrível combate. Ao vê-los, a criatura sacou de uma corrente com espinhos; ferro vermelho de um calor não natural. Hagen, orando por Tyr, investiu golpeando com sua espada. Siltari atirava flechas na entidade, a começar pelos olhos. Sodoma e Yasmin prepararam seus feitiços enquanto Damon Cook decidiu se esconder!

Com as flechas de Siltari, apesar de sempre bem colocadas, e com o primeiro feitiço de Sodoma - um raio de luz solar ardente - parecendo surtir pouco efeito, a criatura de chamas e cinzas desferiu alguns golpes contra Hagen, que conseguiu se defender. Quando batia, era como acertar concreto. Até as mãos de Yasmin brilharem num tom cobalto, e seu feitiço de água, um jato de alta velocidade e pressão, atingir o ser. Chiando em meio ao vapor, ele recuou de dor!

Aproveitando-se do momento, Sodoma usou um outro feitiço, dessa vez um de confusão mental na criatura, e ela pareceu atordoar-se. Hagen então fez chover golpes sobre a criatura, fazendo lascas de carvão e fogo espalharem-se pela biblioteca. Daí em diante, foi uma dança ensaiada: Siltari cravou flechas em ambos os olhos do monstro, e depois nos buracos criados pela espada bastarda de Hagen. Sodoma concentrava em manter o feitiço funcionando, enquanto dava espaço para que Yasmin conjurasse mais jatos de água. Em mais alguns segundos e o que restava da criatura eram cinzas e pedras encharcadas, lentamente desmontando-se da configuração humanóide.

Na ruína que a biblioteca se tornara - campo de batalha, revirada por um ser flamejante, jatos de água sendo disparados... - os Myrmidons começaram a busca pela seção de culinária, seguindo o último desejo de Lorde Octavius. Milagrosamente, Sodoma logo a encontrou, e entre os livros Qualquer Um Pode Cozinhar, de August Von Gusteau e Gastronomia Goblinóide, de Jirizz Pepperbasher, estava um nome familiar: Receitas de Rosenbaum. Sodoma olhou-o com atenção, enquanto avisava aos outros. Era um dos livros mais banais e comuns que ele já havia visto - uma capa azul de couro com o título impresso em letras negras e simples. Era um livro pequeno, com cerca de cem páginas. Todas elas em branco.

A ilusão de Lorde Octavius nem pareceu um desafio. Ao falar "excelsior" para o livro, Sodoma viu as palavras se materializarem do nada, revelando parágrafos, capítulos e ilustrações. Dando espaço para todos os Myrmidons examinarem o livro, eles perceberam que o livro era o tratado inicial de Nikko Rosembaum, auto-intitulado matador de demônios, sobre seres que vieram "dos espaços entre os espaços". Descrevia parcialmente criaturas do que Rosembaum chamava de "planos infernais", seus métodos e fraquezas - uma delas, nomeada de "Demônio Antigo", era exatamente igual a criatura que jazia morta na biblioteca. Pelo visto, o autor tinha certo conhecimento, uma vez que ele descrevia o frio e a água como anátema aos demônios antigos, e isso os Myrmidons suspeitavam ser verdade, principalmente depois de testemunharem a eficácia da magia de Yasmin. O livro também continha a "história dos espelhos", onde descrevia algum tipo de portal dimensional.

Decidiram, porém, que ali não era lugar para ler o livro de forma mais extensa. Preferiram sair, falar com os outros, e quem sabe, ir embora para Skyfall. Lorde Octavius estava morto, sua vila destruída, e até mesmo sua torre invadida. Talvez fosse melhor voltarem acompanhados do exército de Lorde Carmell...

Saíram da torre e todos reuniram-se ao redor da carroça, Contaram brevemente sobre o ocorrido, e sobre o que fazer. Parte dos Myrmidons, liderados por Belly, queria deixar Tsorvo. Outra parte queria ficar e examinar mais; Hagen insistia que uma das coisas que Lorde Octavius disse antes de morrer era que não havia tempo. Tempo para quê? Decerto, não para fugir e voltar com reforços.

Enquanto discutiam, viram um movimento no topo da torre. Uma luz se aproximava, como alguém portando uma tocha. Em silêncio, viram quando um outro Demônio Antigo debruçou-se sobre a murada, três andares acima, e olhou diretamente ao grupo. Ele era todo rocha e chama. Ficaram se encarando em silêncio.

Logo, outra criatura apareceu para observar o grupo. E outra. E mais outra.