sexta-feira, 19 de junho de 2015

GURPS ÆRTH - Capitulo 5

Após tensos segundos em que os grupos se observam, os Demônios Antigos recuam do parapeito. É óbvio que elas sabem da presença dos Myrmidons, e, fora da visão, se preparam para algo. O grupo prefere não esperar, mesmo tendo perdido completamente o efeito surpresa. Embora alguns queiram voltar à Skyfall e pedir reforços, sabem que a viagem de ida e volta, junto com a preparação de um exército mínimo levaria dias... Assim, acabaram entrando em acordo que o último aviso de que "não havia tempo" de Lorde Octavius deveria ser levado mais à sério.

Novamente, Belly Swan ficou acompanhando a carroça e os cavalos, junto de poucos companheiros, como "Olhos-Frios" Marash-Do e Ronan Brocknock. Já Luparus "Mil Olhos", Hagen, Hochsend von Schultz, Mitrin Drachelager, Alexandros Mograine, Sodoma, Siltari Tauri, Damon Cook e Yasmin prepararam-se e entraram na Torre. Não seria uma missão de salvamento. Desejavam exterminar todos inimigos que encontrassem.

Vasculhando o andar inferior, havia apenas destruição. A criatura encontrada na biblioteca jazia sozinha, um monte de pedras irreconhecíveis. Caminhando para a escada que leva ao segundo andar, Hagen notou que as armaduras anteriormente exibidas estavam todas no chão, espalhadas. Estendeu a mão até uma manopla caída, talvez para verificar se poderia usar a peça... mas no momento em que a pegou, notou duas coisas: a primeira é que a "armadura" era na verdade uma parte oca de uma estátua, feita de um mármore claro e polido de veios verdes e com filigranas de prata, somente semelhante a uma armadura real (embora tivessem partes móveis). A segunda coisa que notou é que todos os pedaços de estatuas começaram a convulsionar em uníssono. Todos se prepararam para a eminência de problemas - parecia que uma força invisível juntava as peças, reconstruindo as estátuas, como se vestindo homens que não estavam lá. Em segundos, remontaram-se. Todos prepararam-se para um possível combate, Mitrin já desferindo alguns golpes contra um peitoral próximo que, mesmo avariado, continuava sendo movido pela força invisível.

As estátuas começaram a andar sozinhas, animadas por forças desconhecidas claramente sobrenaturais. Eram oito; todas portavam algum tipo de arma, feita da mescla de metal e pedra - ora espadas, ora machados; maças e manguais. Todas portavam um escudo de algum tipo, e seus símbolos heráldicos eram diferentes uns dos outros. Havia estrelas e cometas, árvores e martelos e grifos e dragões. Andavam lentamente e ameaçadoramente contra os Myrmidons.

Porém, antes do que parecia ser um combate iminente , enquanto a maioria do grupo rangia os dentes, Hochsend fez como de costume e deu uma chance de rendição aos inimigos, sem se importar se eles eram ou não construtos. "Alto!", ele disse. "Não somos inimigos!".

E, como no mesmo passe de mágica que remontou as estátuas, elas pararam e se viraram para o jovem cavaleiro. Paradas permaneceram. Em um momento de tensão, ele arriscou: "Viemos recuperar a torre de Lorde Octavius. Ajudem-nos ou deixem-nos em paz!".

As estátuas fizeram uma lenta mesura e postaram-se em formação de batalha à frente de Hochsend. Aliviados pelo reforço inesperado, o grupo relaxou e seguiu subindo as escadas. Hochsend ordenou as estátuas em formação ao redor dos Myrmidons. Pelo visto, elas eram algum tipo de proteção do local.

O grupo, agora numeroso, começou a cautelosa subida das escadas. No segundo e terceiro andar, a mesma decoração da destruição, como se um forte vento tivesse varrido os passadiços - armários e gavetas e estantes reviradas, jogadas ao chão, junto de tapetes queimados e cortinas chamuscadas. Tudo que tinha tampa ou coberta ou era algum tipo de invólucro ou vasilha ou recipiente estavam revirados e foram atirados ao chão. Era óbvio que criaturas como as vistas, talvez aquelas mesmo, estiveram vasculhando pelos andares. Exatamente por isso, os Myrmidons subiram lentamente esperando uma armadilha. Mas tudo percorreu bem.

No último andar havia o quarto pessoal de Lorde Octavius de Tsorvo, e a porta para o topo da torre. Estava fechada. Ao passarem para os últimos três degraus antes do aposento, Sodoma, Siltari, Yasmin e Damon Cook - os manipuladores da magia - sentiram uma certa vertigem: como se tivessem ultrapassado alguma barreira invisível e que uma força desconhecida os afetasse, dobrasse e torcesse a realidade. Pelos seus olhares era óbvio que algo estava errado com o Æter do local. Além dos comentários tecidos por eles, os guardiões de mármore começarem a convulsionar levemente e cambalear ao passarem a mesma fronteira imaginária. De soldados altivos, pareciam bêbados armados. Damon Cook notou que a torre era anteriormente um território fértil misticamente - de mana alto - por toda sua extensão. Agora, não mais. Algo estava errado com o mana local, mas ninguém sabia dizer o que e porquê.

Ainda assim, os Myrmidons continuaram. Hochsend reposicionou os guardiões o melhor que pode, e novamente prepararam-se para o combate. Era óbvio que as criaturas estavam além da porta que dava ao topo descoberto da torre. Em formação, abriram a porta.

O topo da torre parte quarto principal, parte varanda; uma sacada aberta, onde Luparus havia visto o Lorde Octavius trabalhando numa mesa repleta de artefatos que ele não sabia o uso. A mesa estava lá, assim como os artefatos, intocados. Avançando lentamente, a vanguarda do grupo passou das portas abertas.

Instantaneamente, algo forçou as portas para dentro, tentando isolar o grupo! Uma das portas se fechou com um estrondo, quando Mograine agachou e rolou para esquivar dela. A outra porta foi interrompida pelo resistente ombro de Hagen. Ao mesmo tempo, os seres de rocha e fogo que tinham sido vistos saíram das paredes paralelas à porta dupla - de DENTRO delas, como se deixassem um lago turvo - irrompendo em chamas, brasas escaldantes e calor, uma explosão em forma humanoide, portando correntes, cimitarras e clavas incandescentes! Eram quatro: dois de cada parede lateral e dois levantando diretamente do solo à frente. Estavam escondidos mesclados às rochas!

Mais uma vez, o combate aconteceu, de maneira rápida e abrupta. Na frente, Hagen e Mitrin avançaram golpeando, de modo liberar a passagem e sair da frente da porta. Alexandros, rolando e levantando-se num só movimento, cruzou golpes com uma outra criatura. Hochsend ia defendendo-se como podia, tentando sem muito sucesso formar uma parede - após a linha de frente improvisada se quebrar, apenas sua incrível habilidade com o grande escudo anão o manteve bloqueando golpes direcionados aos companheiros em ambos os lados. Protegidos pelos guardiões, que formaram um certo perímetro, os outros revezavam ataques com armas de longa distância com magia e feitiços.

Após breves segundos, os seres de rocha e fogo não conseguiram segurar o ímpeto dos Myrmidons. Logo, a frente, um deles ficava imóvel, por causa de um feitiço de controle da mente saído da vontade de Sodoma, a luz saída dos olhos da cabeça encolhida na ponta de seu cajado parecendo confundir o Demônio Antigo. À esquerda, uma chuva de golpes de Hagen e Mitrin transformou em pedaços o inimigo. Á direita, Alexandros soprou em uma das suas lâminas e com o mesmo brilho azul antinatural de seus olhos, ela se tornou gélida, coberta de condensação, gelo e exalando uma névoa cortante. Enquanto o demônio era atingido pelas flechas de Siltari e alguns outros feitiços de Yasmin, ele cravou sua espada onde ficariam as costelas em uma pessoa normal e torceu. Com um grito, a criatura dissolveu-se em escombros.

A terceira criatura teve um fim ainda mais estranho. Damon Cook pareceu encarar o vazio por um momento, como se ouvisse vozes ou contemplasse uma piada própria. Depois, encarou uma das criaturas que golpeava de maneira inclemente o escudo de Hochsend. Uma emanação trêmula e ocre vinda do cozinheiro transformou instantaneamente a criatura em um cadáver humano! O fogo cessou de existir, e as rochas deram lugar a carne morta. Era um homem com as vestes manchadas dos guardas. Tinha cheiro de terra molhada e decadência.

Apenas um restava. Todos saíram para varanda no topo da torre e Sodoma, em aparente controle das ações da criatura, começou a conversar com a mesma. Era uma língua estranha, ininteligível, cheia de sons fricativos. De perto, notava-se que embora todos os Demônios Antigos fossem como fogo preso num corpo rochoso, escapando por eventuais frestas, eram definitivamente diferentes, e não construtos idênticos. Esse tinha um olhar de malícia e divertimento enquanto conversava com o necromante.

Quando Sodoma pareceu satisfeito, mandou a criatura fechar os olhos e não se mover. Depois, apenas meneou para que os guerreiros a destruíssem. Sem reação de defesa, isso foi feito à perfeição.

Sem mais inimigos na torre, os Myrmidons passaram a vasculhar os ambientes. A sacada era um local de observação de corpos celestes utilizado por Lorde Octavius. Era adjacente à seu quarto e tinha uma grande mesa de bronze e latão com artefatos. Melhor examinados pelos estudiosos, os artefatos eram próprios para mensurar as estrelas e seus movimentos: esferas de vidro e lentes de cristal, astrolábios, quadrantes, réguas e esquadros, ampulhetas... a mesa estava também munida de pena, tinta e pergaminhos, preenchidos parcialmente com garranchos que pareciam listar constelações, datas, marés e mudanças climáticas.

No chão de pedra eram visíveis sulcos criados por espaços deliberados dos paralelepípedos. Esses sulcos haviam sido pintados e preenchidos com uma tinta azul brilhante de cheiro acre, formando um símbolo geométrico desconhecido, uma espécie de círculo com partes de um triangulo ou pontas e linhas que se cruzavam. A mesa estava no centro deste símbolo. Ao olhar embaixo dela, notaram que a sua parte de baixo era um espelho. Sodoma, que ao examinar o livro Receitas de Rosenbaum havia se imbuído se um feitiço de memória, afirmou que as bordas desse espelho eram exatamente as mesmas representadas em um desenho de um dos espelhos do livro. Uma cópia fidedigna.

Com muito cuidado, os Myrmidons foram levantando a pesada mesa, de modo a inverter os lados e deixar o espelho para cima. Notaram que os pés da mesa, em latão, eram presos ao chão de pedra e apenas o tampo se movimentava. Ao colocarem o espelho para cima, ele imediatamente refletiu as estrelas do céu - era uma imagem bonita, o espelho impecavelmente limpo, refletindo os corpos celestes em contraste com o negrume do firmamento. E, depois de um breve momento, a imagem começou a tremular, como o reflexo em um lago soprado pelo vento. E sumiu. E, assim de repente, não havia mais um espelho refletindo o céu. Havia uma passagem, e ela levava ao que se assemelhava com um poço de pedra, descendo de maneira impossível para muito além das costas do espelho e do chão da sacada. Preocupados, sem saber o que havia do outro lado, os Myrmidons levantaram o portal e o colocaram na vertical. O poço tornou-se um corredor. Hochsend mandou que os guardiões o cercassem, o que eles fizeram, ainda que aos trancos. Pegaram uma das cortinas do quarto, de veludo rubro e pesado, e cobriram a entrada.

Enquanto alguns vigiavam a nova porta que se abrira, outros vasculhavam os aposentos do falecido Lorde. Um ambiente com as amenidades de um nobre rico, sem ser suntuoso ao extremo. Tudo era de boa qualidade: havia um lavabo, com louças de porcelana decorada com flores vermelhas. Um armário com muitas roupas; Octavius tinha uma predileção por tecidos pesados. Uma grande cama de penas, coberta com peles confortáveis. Damon Cook, acostumado ao trabalho doméstico, notou que um dos tapetes estava estranhamente posicionado ao pé da cama, por onde o Lorde dificilmente caminharia. Levantou-o e achou um pequeno alçapão. Forçando a fechadura, foi revelado um cofre contendo um baú. Tinha um braço de comprimento, por pouco mais de meio braço de altura e largura. Era de carvalho reforçado com ferro negro, e tinha uma boa fechadura.

Ainda assim, a fechadura foi aberta, e todos viram seu conteúdo. Havia os documentos pessoais de Lorde Octavius: seu título de nobreza, as escrituras de suas terras e da torre, junto com alguns mapas das propriedades ao redor, de Tsorvo e uma listagem de arrendatários e moinhos e pontos de interesse. Havia também uma lista dos mantimentos da torre, acompanhada de uma lista de suplementos à comprar. Das dívidas e recebimentos e uma contagem de saldo. Havia também um testamento. Chamou a atenção dos Myrmidons uma particularidade do documento: Lorde Octavius deixava todos os espelhos da torre, sem exceção, à Lorde Qyle de Brynndol. Com a obviedade de um espelho transformando-se num portal, tomaram nota desse fato.

Junto dos documentos, estavam dez pequenos frascos de vidro reforçado com metal que cabiam na palma da mão. Eram cheios de um líquido transparente como água, porém muito mais viscoso e com um cheiro alcalino. Amarrado delicadamente com uma linha fina à seu gargalo e rolha, cada garrafa era acompanhada por uma pequeno envelope de gaze. Dentro, cada um tinha uma pílula da cor do pus, que cheirava a limão.



Também haviam dez pedras de jaspe, vermelhas com veios negros e verdes, esculpidas e do tamanho de ovos. Eram quentes ao toque, da temperatura da pele humana.
Ninguém imaginava o que seriam esses dois itens, ou sua serventia.

A última coisa que o baú continha era um saco de veludo e couro negro que continha F$10 mil, em duzentas moedas de cinquenta Fênix de prata.

Tinham certeza que eram os únicos artefatos dignos de nota. Haviam encontrado tudo. Passaram então a ponderar suas opções. Podiam ir até o outro lado da passagem, e ver o que lá havia. Talvez fosse a fonte de todo o mal que se assomou por Tsorvo. Afinal, não havia tempo de voltar à Skyfall e pedir reforços ou consultar o Lorde Carmell...

... ou será que havia?

Damon Cook disse que poderia fazer a viagem instantaneamente, com um feitiço poderoso. Teria que ir sozinho. Pegou um dos frascos de vidro e uma das pedras de jaspe e disse que voltaria logo. Novamente, pareceu olhar para o vazio. Com um estrondo e um alto barulho de sucção, o "cozinheiro" sumiu numa nuvem de fumaça púrpura.

Todos se entreolharam e resolveram descansar.
Tinham de aguardar.